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Falsificação Grosseira: pode ser autofraude. Tem que enviar para a perícia grafotécnica!

Atualizado: 29 de out. de 2023

É seguro para o processo judicial e justo para as partes que se opte pela desnecessidade da prova pericial grafotécnica?


Não é incomum que as lides processuais que demandam perícias para apuração de falsificações documentoscópicas / grafotécnicas confundam o judiciário como um mero conferente de assinaturas. Ocorre que, não poucas vezes, o judiciário colabora com este conceito inadequado. O resultado deste conceito está pautado numa série de outros conceitos inadequados que foram assimilados durante o passar dos anos.


A interrupção desta cadeia de conceitos errados é condição essencial para que a pretendida justiça seja amplamente celebrada. O contrário disso tem favorecido somente um grupo de interessados: os falsários.


Falsificações grosseiras: a desnecessidade de perícia que tem atrapalhado o processo de justiça.


Durante muitos anos o método utilizado para verificação de autenticidade de escritos foi a comparação com base nas formas gráficas. Este procedimento é denominado “comparação morfológica de lançamentos caligráficos”.


No Século XX Edmund Solange Pellat surgiu com seus postulados e modificou tudo que se entendia até aquele momento. Ocorre que o nosso cérebro sempre busca uma forma mais fácil e prática de compreender aquilo que lhe é demonstrado. Por tal razão que a morfologia continua sendo a forma mais fácil e prática de efetuar comparações grafotécnicas, embora seja um método pouco eficiente e de resultados não raramente injustos.


O método de comparação de assinaturas através das formas é aplicado desde as conferências rápidas feitas nas entregas de encomendas, entrega de exames, nos cartórios de tabelionatos, nas câmaras de compensação de cheques e até mesmo nos gabinetes dos magistrados.


Entende-se que este tipo de conferência é aplicável em situações de baixo risco ou em situações de prática repetitiva. Na medida em que o patrimônio alheio apresenta maior risco de prejuízos, este método torna-se tremendamente perigoso. Este pesquisador não entende que as informações cadastrais de uma pessoa, assim como a conferência de quaisquer informações ou dados pertinentes a esta, sejam praticadas por cidadãos médios, sem um mínimo de conhecimento técnico. A verificação da possibilidade de uma fraude não está somente na conferência de uma assinatura, mas na observação de um conjunto de informações colhidas daquele que oferta tais informações. A assinatura é apenas uma das formas de intenção fraudulenta.


É comum numa apuração de falsificação de assinatura que os documentos também apresentem indícios de falsificação. Comprovantes de residência são altamente falsificáveis, mas somente sobre reproduções. As falsificações constatadas sobre as cópias dos comprovantes de residência dificilmente seriam aceitas se fossem observados diretamente os originais. Produzir a cópia no local da pactuação do que está sendo celebrado é muito mais seguro do que receber uma cópia trazida de um mundo desconhecido. Este procedimento é válido para qualquer tipo de documento que acompanhará a pactuação.


A DITA DESNECESSIDADE

Quando existe um litígio que é trazido ao Judiciário, o que se espera é uma palavra final, inatacável, e que proporcione às partes do processo a mais pura análise científica sobre aquilo que está sendo discutido no processo. Mas, o que encontramos, nesse que deveria se o local de maior zelo pelo descobrimento da verdade, é a mesma prática vista nas esferas menos criteriosas de conferência de documentos.


Abaixo estão alguns acórdãos que ratificaram a ausência de necessidade da “perícia grafotécnica”. Registre-se que o propósito não é discutir o objeto da lide, mas sim, a dita desnecessidade.

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Existem expressões comuns em cada um dos julgados expostos: “Falsificação Grosseira. Desnecessidade de Perícia Grafotécnica.” A base para tal determinação foi tão somente a comparação morfológica entre o lançamento apontado como questionado e algum lançamento utilizado como padrão de confronto.


Numa perícia grafotécnica, a partir do momento em que todas as peças estão disponíveis para o cotejo pericial, ou seja, presente a peça questionada e os aptos padrões de confronto, são pesquisados vários itens grafotécnicos, com a utilização de uma gama de equipamentos, aplicando-se o saber científico do profissional que, após horas, dias ou semanas, poderá emitir o seu parecer. Todo este esforço é aplicado não para fazer a conferência de uma assinatura, mas para que seja emitido um parecer científico sobre ela.


IMPLICAÇÕES DA ANÁLISE MORFOLÓGICA

No Tratado de Documentoscopia – da falsidade documental, os autores narram sobre causas que podem alterar o grafismo e por conseguinte a forma gráfica, afetando, por fim, a precisão daquele que efetua a análise morfológica da escrita.


Causas Emotivas: a escrita sofre influência dos nossos estados emotivos (exaltativos ou depressivos). Exemplo: assinaturas sob coação moral, sob coação de um criminoso, sob estados críticos de depressão psiquiátrica, etc;


Causas Patológicas: várias moléstias, estados febris ou de fraqueza, que as sucedem ou precedem, provocam variações na escrita. Exemplos de algumas patologias gráficas: agrafia, paragrafia, mogigrafia, grafofobia, tartamudez gráfica, micrografia, acatagrafia, espelho, grafomania, etc;


Causas Físicas: algumas variações da escrita resultam da natureza dos instrumentos gráficos, das condições dos suportes, da posição anormal do escritor, temperatura, vestuário no momento da escrita, bolsas ou mochilas portadas pelo escritor, órteses temporárias, etc.


Qualquer assinatura ou escrita promanada sob as condições acima poderão ser facilmente descritas como uma “falsificação grosseira” do punho atribuído.


Outra condição extremamente prejudicadora da análise das formas gráficas é uma das condições basilares da boa conduta pericial grafotécnica: a contemporaneidade. É simples e fatal. Se a peça questionada foi produzida no ano passado, não é coerente utilizar-se como padrão de confronto uma carteira de identidade expedida há 15 anos. A explicação está na óbvia característica do punho humano em adquirir habilidades, assumir outras idades gráficas ou ser acometido por qualquer fator modificador do grafismo, conforme os que foram e os que serão abordados, excetuando-se a condição a seguir:

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Ainda analisando os fatores que confundem a análise morfológica dos lançamentos caligráficos está o capítulo que fala sobre as “escritas autênticas”, exaustivamente abordadas na obra em comento. Conforme abordado pelos autores e de fácil compreensão, temos:


Autofalsificação: são aquelas assinaturas defraudadas pelo atribuído e legítimo signatário, no próprio ato de lançamento, mediante a introdução de vícios e artifícios que ensejem inquiná-las de falsas;


Simulação de Falso: pressupõe uma assinatura originariamente produzida sem qualquer defeito, a qual sofre, posteriormente, a adição de vícios. Esta adição de vícios pode ser efetuada por terceiros ou não.


Repita-se: qualquer assinatura ou escrita promanada sob as condições acima poderão ser facilmente descritas como uma “falsificação grosseira” do punho atribuído.


Na contramão das “escritas autênticas” encontramos os “tipos de falsificações”. Importante salientar que a “boa” falsificação é aquela que convence. É corriqueiro encontrar pessoas que manifestam dúvidas sobre a autenticidade de determinada assinatura que lhe foi atribuída tamanha a semelhança e, após exame pericial, constatase que a assinatura/escrita não foi promanada pelo punho daquele que anteriormente havia se mostrado duvidoso.


Alguns tipos de falsificações:


Imitação Servil: são aquelas em que o falsário efetua a cópia servilmente tendo o modelo à sua frente. Esta falsificação apresenta semelhanças formais;


Decalques: transferências manuais de assinaturas ou escritas. Pode ocorrer de diferentes formas, com utilização ou não de meios mecânicos ou digitais. Elevado índice de semelhança morfológica;


Imitação Livre: são aquelas em que, após vários exercícios, o falsificador consegue realizar cópia sem mais necessidade da presença de modelo. Falsificações com elevado índice de semelhança morfológica.


Numa situação normal onde ocorreu o crime de falsificação de um lançamento caligráfico, teremos somente duas situações a serem admitidas: ou o lançamento questionado partiu ou não partiu do punho daquele que se atribui o lançamento. E para se fazer esta análise, excluindo-se as possibilidades anteriormente abordadas, somente a grafotecnia dominada por estudioso é capaz de delimitar suas possibilidades.


E o profissional que tem assistido à Justiça, onde tem buscado seu “know-how”? É contínua a sua busca pelo conhecimento ou é resultado de um curso que não lhe capacita a entender, pelos poucos dias/horas de estudo, que Grafoscopia é bem mais que dizer que converge ou diverge?


INICIANDO O HEPTÂMETRO DE QUINTILIANO

QUEM assinou?


Poderia o periciado (ou potencial periciado) estar utilizando-se de uma das estratégias de “escritas autênticas” para obter vantagens futuras com esta sua atitude?


Poderia o periciado (ou potencial periciado) estar utilizando-se de uma patologia anterior ou posterior ao fato que está sendo discutido judicialmente para tentar se livrar de uma obrigação?


Sabe-se que a impregnação de vícios sobre um lançamento autêntico é fator que concede deformações ao lançamento daquele que o produziu. Efeitos estes capazes de criar enormes capítulos nas mais importantes literaturas sobre Documentoscopia Forense existentes no mundo.


Por outro lado, o falsificador dedicado pode produzir um lançamento extremamente semelhante em forma ao daquele que deseja imitar. Para isto basta utilizar-se dos métodos de falsificação existentes. Lembremo-nos: boa falsificação é aquela que convence da falta de necessidade de perícia.


Se o falsificador tem um motivo, ele promoverá o meio ideal de produzir um belo produto final.


Para combater o raciocínio prático e mais fácil de ser concebido e que produz a máxima da “desnecessidade da perícia grafotécnica”, apresenta-se outro raciocínio como antídoto: Não existem dois lançamentos idênticos. Quando dois lançamentos forem idênticos, um deles se terá como falso. Ou os dois.


A literatura, os estudiosos e a prática constatada afirmam que na documentoscopia todas as dúvidas devem ser investigadas cientificamente.


CONCLUSÃO

Diante de todas as abordagens realizadas, podemos concluir que:


No mundo da Documentoscopia Forense, diante dos tipos de falsificações existentes e dos tipos de “falsas falsificações” existentes, quanto mais divergente for a forma de um lançamento caligráfico, existirão probabilidades deste lançamento ter sido produzido por aquele a quem se atribui. Quanto mais convergente for a forma de um lançamento caligráfico, existirão probabilidades deste lançamento não ter sido produzido por aquele a quem se atribui. Excetuam-se as condições naturais de divergências e convergências que se misturam com os conceitos anteriormente abordados e que somente poderão ser desvinculados após exame de grafotecnia.


Em outras palavras, por uma condição razoável de conceder o benefício da dúvida a qualquer das partes até que a ciência dê o seu ultimato, não se pode autorizar que a conclusão categórica de um laudo científico seja substituída pelas expressões “Falsificação Grosseira. Desnecessidade de Perícia Grafotécnica.”


Pelo bem da justiça que se pretende fazer.



REFERÊNCIAS


AMARAL, Sylvio. Falsidade Documental. 4ª edição. São Paulo: Editora Millennium, 2000.

DE LA PEÑA, Julia. Investigaciones Documentales. Buenos Aires: Ediciones La Rocca, 2005.

DOREA, Luiz Eduardo. Local de Crime. 2ª edição. São Paulo. Editora Millennium, 2012.

FILHO, José Del Picchia; DEL PICCHIA, Celso M. R.; DEL PICCHIA, Ana Maura. Tratado de Documentoscopia – Da Falsidade Documental. 2ª edição. São Paulo: Editora Pillares, 2005.

MENDES, Lamartine Bizarro. Documentoscopia. 2ª edição. São Paulo: Editora Millennium, 2003.

SEIFER, Marc. The Definitive Book of Handwriting Analysis. New Jersey: Career Press, 2009.
 
 
 

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